O estudo da Teologia Contemporânea, assim como, da Sabedoria Popular são áreas que devem permear as reflexões teológicas e pastorais de teólogos e teólogas no século XXI. Pensar na reflexão sistematizada que emerge de grupos, ainda, minoritários e, tradi-cionalmente, considerados aquém dos referências de estudo teológico, é uma das formas de se manter viva e reafirmar a suma filosófica de Descartes – Penso, logo, êxito. Pensar na reflexão, aparentemente, não sistêmica que emerge sob o pano de fundo da sapiência popular, é manter viva e reafirmar a suma teológica dos ditos de Jesus, citado, por exemplo, em Mateus 11.25: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos” .
Esse trabalho se propõe a relacionar alguns dos temas abordados na matéria Teologia Contemporânea, com algumas questões, concretas, da realidade eclesial e social do autor, vivenciadas nos últimos 6 meses, e, também, algumas abordagens e perspectivas do autor, em seu trabalho de conclusão de curso.
Teologias contemporâneas e a Sabedoria popular
Quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão. É preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer. É preciso saber viver! Toda pedra do caminho, você pode retirar. Numa flor que tem espinhos, você pode se arranhar. Se o bem e o mal existem, você pode escolher. É preciso saber viver!
A poesia da música de Roberto e Erasmo Carlos, tão felizmente regravada pelo grupo Titãs, é um excelente exemplo de que a sabedoria popular, ainda que não reconhecidamente, sistematiza seus pensamentos filosóficos, teológicos e existenciais. Refletindo a racionalidade iluminista, a letra da música alerta, de forma bem humorada, seus apaixonados “seguidores”, que o sofrimento é um fator inerente à existência humana, mas que “saber viver” é algo que pode ser aprendido.
O autor César S. Camargo, em seu artigo O Evangelho Social: aspectos históricos e teológicos, afirma que: “Uma religião intimista, centralizada no indivíduo e abstraindo-se do seu meio social real jamais poderia, segundo o evangelho social, alcançar uma dimensão globalizante da existência humana.” . Tal afirmação nos permite compreender que a exacer-bação do antropocentrismo, assim como, das experiências místicas, não são meios de se saber viver.
Algumas das novas percepções e sistematizações teológicas, como as Teologias Femi-nista e Negra, emergem com grande força, e, em geral, oriundas do clamor popular por i-gualdade de direito e respeitabilidade. Discutir, teologicamente, o papel da mulher, as ques-tões de gênero, a problemática do racismo e demais pontos relacionados a estas, consolidam o estudo da teologia contemporânea. Tais assuntos podem ser vislumbrados nos meandros da sapiência popular, assim como, em suas estratégias de ensino: o humor e a ironia.
Utilizando-se das ferramentas do lúdico, as teologias contemporâneas podem galgar seu espaço nas discussões teológicas, assim como, fundamentarem-se como fontes respeitáveis do estudo teológico.
Em seu livro Ministérios Femininos em Perspectiva Histórica - Duncan A. Reily relata que: "Para muitos, o ponto crucial da questão de ministérios femininos é a questão da ordenação e ministração no altar. No XXI Sínodo da Igreja Episcopal no Brasil, o bispo Sumio Takatsu e o Rev. Glauco S. de Lima propuseram a ordenação da mulher às três ordens, entendendo que o “Espírito Santo invocado pela igreja na ordenação, dado ao ordenado, capacita tanto o homem como a mulher a exercer o ministério na comunidade da Igreja” e que “não se pode negar a uma mulher presidir à assembléia que celebra a vitória de Cristo(...), a Eucaristia, a Santa Comunhão”.
Ainda que decisões conciliares, sinodais e congregacionais sejam tomadas em favor da plena inclusão da mulher nos mais diversos âmbitos religiosos/institucionais, na prática, no dia-a-dia, as mulheres continuam a sofrer discriminação, bem como, seu direito de voz, é cerceado pelo forte pensamento androcêntrico, em âmbitos sociais, organizacionais e, infelizmente, teo-lógicos, que tomam conta de nossa sociedade.
O senso comum , ou a sabedoria popular, é uma forma de se transmitir conhecimento e experiência acumulados com o passar do tempo, sob a perspectiva do aprendizado mútuo e coletivo. Segundo Anthony R. Ceresko há duas razões:" A primeira delas tem a ver com a sabedoria dos “sem voz”, as pessoas que não são parte da instituição regente; (...) cujo status social os impedia de serem ouvidos. (...) Uma segunda questão sobre a sabedoria no mundo antigo requer estudos adicionais. A erudição crítica, centrada na Europa e no Ocidente, tende a ignorar a própria tradição da Bíblia, segundo a qual a sabedoria vem do Oriente.
O autor ainda ressalta que as mulheres, a despeito do esmagador caráter patriarcal das sociedades antigas, têm relevância nesse processo de formação sapiencial, devido ao seu envolvimento, como mães, na formação educacional dos filhos e filhas. Dessa forma, elas auxiliaram nos processos de internalização e transmissão dos valores morais, éticos, religiosos e educacionais. Para o autor, a Bíblia preserva uns poucos indícios disso, em textos como o de Provérbios 10.1: O filho sábio alegra a seu pai; Mas o insensato é a tristeza de sua mãe.
É necessário que os estudos acadêmicos possam ir além dos processos históricos de condição da mulher e das discussões e desenvolvimento de estratégias para a emancipação da mulher. As discussões devem ser caracterizadas pela “experiência do cotidiano, pela expressão de marginalização e opressão em vários níveis do cotidiano e pela experiência que passa pelo corpo, pela pele, pelo coração e pela sexualidade das mulheres” .
Os negros também sempre estiveram em situação desfavorável diante da majoritária “massa branca” que, até hoje, domina os cargos mais altos das instituições religiosas, assim como, das igrejas. Sua reflexão teológica é, freqüentemente, posta à margem, devido ao preconceito racial. O testemunho do Rev. Juracy José Sias Monteiro, em seu livro Minha vida, meu ministério – exemplifica uma dessas situações: “Havia uns bobinhos ignorantes que tinham preconceito de cor. Chegaram, entre si, a fazer gracinha, perguntando se no púlpito não havia uma árvore para o macaco trepar” .
Para Ezequiel Luiz de Andrade: “Comentar sobre o Pensamento Teológico Negro é falar necessariamente a partir do povo negro”. A Bíblia relata, de forma bem humorada, a presença do negro. É possível perceber que, em razão do preconceito, a palavra é negra é substituída por “morena”, e o verbo é alterado de ser, para estar. Esse relato está em cantares 1.5-6: Eu estou morena e formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão. Não olheis para o eu estar morena, porque o sol me queimou. Os filhos de minha mãe se indignaram contra mim e me puseram por guarda de vinhas; a vinha, porém, que me pertence, não a guardei.
O relato bíblico demonstra a ironia em que a discussão a respeito da cor da mulher é fundamental para se compreender o texto, bem como, para se desfazer a leitura discrimina-tória, e muitas vezes velada, que é realizada em nossas comunidades de fé.
Concluindo, as Teologias Contemporâneas e a Sabedoria popular têm muito a agregar às sistematizações teológico-pastoral, que realizamos nos dias atuais. É importante re-ler as Escrituras Sagradas sobre essas óticas que emergem de grupos minoritários e excluídos, pois, tais leituras nos levarão a ampliar nosso campo de visão teológico, assim como, nos permitirão trabalhar de forma mais eficiente e eficaz a inclusão de todas as pessoas, nas comunidades de fé e na própria sociedade.
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