sexta-feira, 19 de junho de 2009

Essa moda não pode pegar!

Cito uma reportagem que li: "SÃO PAULO - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse nesta sexta-feira, 20, em São Paulo, que a decisão de derrubar a exigência de diploma de jornalista, tomada pela Corte na noite da quarta-feira, deverá criar um "modelo de desregulamentação" das profissões que não exigem aporte científico e treinamento específico."[1]

Amigos e amigas, essa moda não pode pegar!!

Creio que estamos diante de um retrocesso intelectual. Isso é assustador. Deveríamos estar motivando nossa grande nação brasileira a estudar, refletir, ou seja, pensar! Acompanhei a discussão acerca da desregulamentação do diploma de Jornalismo. Ao ver as reportagens e chamadas sobre o assunto, fiquei a pensar que equívocos acontecem; que nossos ministros e ministras do Superior Tribunal Federal buscavam desburocratizar a produção de qualidade, porém, "desqualificada" academicamente. Contudo, ainda que a intenção tenha sido muito boa, perguntei-me se não estaríamos caminhando em sentido contrário ao da ordem e do progresso (nosso lema!).

Coloco isso, pois a mídia é hoje um dos grandes organismos que gera sentido às pessoas. Sua disputa com outros geradores de sentido é grande, em especial, com as religiões. Não quero me ater a um debate sociológico! Quero defender que, ainda que de forma errônea, a obrigatoriedade do diploma universitário, para uma profissão tão importante, é um fator motivador, ainda que por outras razões, à dedicação de produção intelectual aprimorada (não cito "qualidade", pois esta pode ser percebida mesmo sem formação acadêmica).

Agora, com a reportagem acima citada, assusto-me novamente. Quais serão as outras profissões que terão seus modelos desregulamentados? Se vocês me permitirem vaguear um pouco, por que não imaginar que, se essa moda pegar, em breve teremos dentistas sem formação, médicos sem formação, diplomatas sem formação, teólogos sem formação (apesar de que não consigo imaginar isso)?

Sou, expressamente, contrário à manipulação das pessoas e de seu acesso ao mercado de trabalho pela obrigatoriedade de um diploma universitário. Um diploma não significa, necessariamente, que a pessoa que o possui é capacitada para desenvolver uma determinada função. Mas, certamente, ele nos dá indícios disso!

Teologicamente, nós somos desafiados e desafiadas a incentivar nossas comunidades de fé a progredir holisticamente - corpo alma e espírito (não faço uma tricotomia aqui, é mais uma pontuação pedagógica). Penso que esse tema será usado ainda por muitos defensores da não necessidade de formação teológica para os pastores e pastoras, nesse nosso "Brasilzão".

Termino citando Henry Ford. Desejo que a frase dele nos motive e aos nossos ministros e ministras, do Superior Tribunal Federal, para que a desregulamentação dos diplomas de graduação não pegue!

"Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele".

Deus nos abençoe.

[1]CONCEIÇÃO, Ana. Outras profissões deverão ser desrregulamentadas, diz Mendes. Disponivel em: . Acesso em: 16 de junho de 2009

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O jovem só dá trabalho quando não trabalha!!

“Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia.”[1] - Gênesis 1.5

O contexto da criação do mundo é ótimo para refletirmos sobre a juventude. A Bíblia relata que: “a terra estava sem forma e vazia”, além de que não havia separação entre luz e escuridão. Muitas vezes nossos adolescentes se sentem, e vivem num mundo assim, desordenado e caótico. É um turbilhão de emoções e sentimentos que deixam as coisas ao redor deles “sem forma e vazia”. Muda-se o corpo, os sonhos, os objetivos, os projetos, os desejos, as vontades; enfim, a vida.

Mas, o livro de Gênesis nos diz que, logo no primeiro dia, Deus ordenou essa “bagunça”, e, assim, o primeiro dia se fez. Aos adolescentes, eu digo: Calma! Tudo vai se colocar em ordem, no tempo certo, sob a ação do Espírito de Deus, que paira sobre as águas do “caos” que é a adolescência. Aos demais irmãos e irmãs: Auxiliem! Sejam instrumentos de Deus para que haja dia e noite, luz e escuridão, ou seja, ordem, no maravilhoso e apaixonante período da vida chamado adolescência.

"Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno"[2] - 1 João 2.14

Aos jovens, relembro o que nos diz a Bíblia em 1 João 2.14. Eu diria que o tema desse artigo é coisa de adulto e não de jovem. Primeiro, porque se um jovem saísse com uma frase dessas, eu lhe aconselharia a rever seus conceitos. Segundo, porque é mais fácil dizer que algué dá trabalho quando não fazemos parte do mesmo grupo.

De qualquer forma, o jovem é sempre desafiado a entrar o mais rápido possível no mercado de trabalho. Não creio que isso seja ruim, mas, por outro lado, pode ser um estresse desnecessário, tanto para que é pressionado, quanto para a família que preciona. Não dá para viver às custas dos pais para sempre! Porém, não dá para aceitar qualquer trabalho escravo por aí só para dizer que se está empregado.

Quando não se têm outra possibilidade, o jeito é começar de onde der, pois, ainda que nem sempre isso seja o mais justo, experiência profissional sempre conta numa contratação melhor.

Outro fator a ser considerado é a formação. Aí, sempre ouço as mesmas ponderações: "como se conseguir experiência profissional e formação acadêmica ao mesmo tempo?" É uma verdade cruel para a grande maioria dos jovens, que tem que escolher entre um ou outro, por diversos fatores, como dinheiro e tempo disponível, por exemplo.

Contudo há várias empresas que estão mudando seus conceitos e aproveitando recém-formados sem experiência. O currículum ainda fala muito, porém, o "saber fazer" tenho reconquistado seu lugar.

Quando João apresenta esse texto a nós, creio que ele está nos motivando e não colocando mais um peso sobre nossos ombros. Ao dizer que os jovens são fortes e que neles permanece a palavra do Senhor, João está motivando a juventude a deixar de lado os pensamentos de desigualdade, o desinteresse, as dúvidas comuns nesse período da vida, e se lançar, com fé, nos braços de Deus, sabendo que dEle vem o auxílio, a força para vencer, e as estratégias para se conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho.

Aos pais, aconselho ler a primeira parte do versículo e realizar um exercício de memória, afinal, todos já foram adolescentes e jovens um dia.

Que Deus nos abençoe.

[1]Sociedade Bíblica do Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada - Com Números de Strong . Sociedade Bíblica do Brasil

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Aconselhamento Pastoral - Famílias acometidas pela Doença de Alzheimer

Desejo que seja tão produtivo para vocês como foi para mim!

O presente artigo se propõe a apresentar um estudo de caso realizado com bases em um aconselhamento pastoral. Todos os nomes utilizados são fictícios e as identidades das pessoas envolvidas serão mantidas em sigilo.

Pretendemos expor uma descrição sucinta da pessoa aconselhada, assim como, do caso, sem, contudo, perder a perspectiva de detalhar aspectos importantes e inerentes a uma análise de qualidade, responsável, e pautada por embasamento teórico apropriado.
No primeiro capítulo trataremos da descrição da aconselhanda, apresentando sua con-dição emocional, espiritual, social, existencial e psicológica, no momento em que procurou, pela primeira vez, o aconselhamento pastoral para tratar de sua necessidade.

No segundo capítulo, buscaremos explicitar o caso, detalhando os aspectos necessários para o bom entendimento do leitor. Para isso, utilizaremos uma descrição pragmática e sis-têmica do caso, de forma a facilitar a compreensão do caso.
No capítulo seguinte, detalharemos nossa percepção acerca do Foco Central da Pro-blemática da Aconselhanda. Apresentaremos, também, algum suporte bibliográfico que nos ajudará a compreender melhor o problema vivenciado pela aconselhanda, assim como seus desafios. Ainda nesse capítulo, apresentaremos alguns aspectos antropológicos, psicológicos, e técnicos do aconselhamento pastoral, que facilitarão a plena compreensão do leitor, acerca do caso relatado, bem como, das diretrizes que apresentaremos nos capítulos seguintes.

No capítulo quatro, apresentaremos o Estado Emocional da aconselhanda, e, também, a possível natureza de seus conflitos. Por fim, apresentaremos, nesse capítulo, alguns dos comportamentos pessoais e interpessoais da aconselhanda, que nortearão nosso resumo do estado emocional geral da mesma.

No quinto capítulo, trabalharemos a Análise Teológica. Essa análise será baseada nas percepções que tivemos, em relação, aos momentos de conversa com a aconselhanda, bem como, os desafios teológicos que surgiram decorrentes das percepções teológicas da própria aconselhanda.

No sexto capítulo, detalharemos alguns dos encaminhamentos que consideramos plau-síveis e favoráveis para o caso da aconselhanda, assim como, para demais casos que envolvam a Doença de Alzheimer.

Descrição da Pessoa

A pessoa escolhida para o desenvolvimento desse estudo de caso será identificada pelo pseudônimo de Maria Paula.

Essa mulher tem 54 anos e está casada há cerca de 35. Mãe de um três filhos, sendo dois homens e uma mulher, trabalha regularmente como assistente de serviços gerais, e é voluntária em um programa comunitário. Ela mora com o esposo, o filho, a filha e a neta, próximo ao local de seu trabalho. Seu outro filho mora em Recife – Pernambuco. Ela é membro da Igreja Metodista desde seu nascimento e freqüenta a mesma comunidade há aproximadamente 25 anos. Ela participa de todas as atividades da igreja, inclusive durante a semana. Seu esposo também é muito participativo. Os filhos e a neta não freqüentam a igreja, porém, esporadicamente, eles visitam a comunidade em dias de festividade.

A condição econômica da família é de classe média. Eles não vivem uma situação fi-nanceira difícil, já que o marido é aposentado pelo Estado e ela trabalha regularmente; além disso, eles moram em casa própria, e possuem um veículo. Atualmente, a filha e a neta estão trabalhando regularmente e ajudando nas despesas da casa.

Ela mora próximo de sua mãe, Lúcia, e, em razão disso, é a filha que dá maior assistência no dia-a-dia. Seu pai, Augusto, faleceu há dez anos e, por isso, Lúcia depende da assistência mais próxima dos filhos e filhas. Um dos irmãos de Maria Paula mora em São Paulo, mas, devido aos compromissos profissionais, só consegue acompanhar a mãe a cada quinze dias, nos finais de semana. Os demais filhos de Lúcia moram fora da cidade de São Paulo e, uma das filhas, em outro país.
Maria Paula é uma pessoa alegre e ativa. Ela sempre se aproxima das pessoas com um sorriso no rosto e de forma prestativa. Contudo, ultimamente, a aconselhanda tem transpare-cido estar cansada, físico e emocionalmente. Maria Paula mostra-se dispersa e desatenta com as coisas, isola-se, e não demonstra suas emoções.

Descrição do Caso

Maria Paula procurou aconselhamento pastoral queixando-se do comportamento de sua mãe – Lúcia, que tem apresentado um caso de esquecimento preocupante, que inviabiliza ações que, até então, faziam parte de sua rotina, como: ir ao supermercado e à igreja sozinha.

Em razão desses comportamentos, Maria Paula levou Lúcia ao médico e ficou diag-nosticado, através de exames, que Lúcia é portadora da Doença de Alzheimer. Contudo, Lúcia não sabe que tem essa doença, somente os filhos e filhas estão a par da situação. Os filhos optaram por não contar à mãe sobre a doença, pois ela sempre sinalizou que tinha medo de ter essa doença, além de que o médico os orientou a seguir esse procedimento.

Maria Paula preocupa-se com o esquecimento de Lúcia e a proibiu de sair sozinha de casa, o que criou um problema entre mãe e filha. A decisão foi tomada depois que Lúcia, ao sair para fazer compras, desapareceu por esquecer o caminho de volta para casa, que fica há dois quarteirões do supermercado.

Hoje, Lúcia é acompanhada, durante 24 horas, por uma cuidadora de idosos. Lúcia sente-se extremamente desconfortável com o controle exercido pela filha, especialmente, porque quando Lúcia era casada, vivia sobre a repressão e controle do marido que não a deixava sair de casa, ir ao supermercado ou à igreja sozinha. Depois da morte do marido, ela conquistou certa autonomia: aprendeu a dirigir, passou a fazer compras sozinha, administrar suas finanças etc.

Agora, diante da situação de saúde de Lúcia, a filha, precisou assumir a responsabili-dade sobre a mãe, inclusive, a administração das finanças. Isso aconteceu após um incidente, em que a mãe realizou doações consecutivas para a mesma instituição de caridade, cau-sandoum déficit no seu orçamento.

Maria Paula se sente desconfortável e culpada por ter que controlar e confrontar a mãe. Sendo a filha mais velha de Lúcia, Maria Paula sempre foi obediente aos pais, quando jovem, ao contrário de seus irmãos mais novos que se sentiam a vontade para confrontar seus pais, diante dos intentos que tinham.

Na semana em que Maria Paula buscou aconselhamento, mãe e filha tiveram uma dis-cussão. Lúcia precisava fazer uma cirurgia nos olhos, pois já estava perdendo completamente a visão, em função de uma Catarata. Lúcia insistia que não queria fazer a cirurgia, mas Maria Paula se manteve irredutível e disse à mãe que ela iria fazer a cirurgia de um jeito ou de outro. Lúcia então respondeu: “Eu não vou fazer a cirurgia, eu agora sou rebelde!”. Essa resposta deixou Maria Paula totalmente desconcertada, pois nunca poderia esperar que sua mãe, que sempre foi um exemplo de vida cristã, pudesse lhe ter dado uma resposta como aquela.

Diante de todas as informações colocadas na descrição da pessoa e na descrição do ca-so, cremos que o foco central do caso apresentado é: Maria Paula não consegue mais reconhe-cer a própria mãe, como modelo de responsabilidade e vida.

Chegamos a essa conclusão, pois a aconselhanda nos relatou que fora educada em um lar onde os princípios cristãos eram levados a sério; a família era uma modelo de responsabilidade. Maria Paula, por ser a primeira filha, recebeu uma carga maior de cobranças e de responsabilidades; em sua educação ela nunca aprendeu a confrontar seus pais, pelo contrário, ela sempre os respeitou e os obedeceu sem questionamentos.
Durante o aconselhamento Maria Paula relatou que o mais chocante ou estarrecedor era a afirmação de sua mãe: “agora eu sou rebelde!”. Isso a deixou, fortemente, abalada, pois sempre tivera a sua mãe como modelo de responsabilidade e vida cristã, uma pessoa temente a Deus e comprometida com o bom testemunho. Agora diante da Doença de Alzheimer, Maria Paula está, paulatinamente, presenciando sua mãe perder o bom senso diante de certas situações.

Há outros fatores que não consideramos centrais, mas que contribuem para do problema apresentado por Maria Paula, como: o desconforto que ela sente em ter que controlar e confrontar a mãe; algo que jamais fizera até esse momento. Outro fator que contribui para a inquietude de Maria Paulo é o fato de que por ser a filha mais velha e por ser a que mora mais perto da mãe, ela é a maior responsável por Lúcia. Sendo assim, ela agrega a responsabilidade com o trabalho, com sua casa, com a igreja, com o trabalho voluntário e com a sua mãe. Por mais que ela receba ajuda, se sente sobrecarregada. Outro fator que contribui para a crise de Maria Paula é que, ao ver a situação de sua mãe, ela se depara com a problemática da finitude da vida.
Para que este trabalho seja enriquecido e o tema aprofundado, torna-se necessário um maio conhecimento do que seria a Doença de Alzheimer. A compreensão do que acontece com Lúcia ajudará a trabalhar mais coerentemente com Maria Paula, pessoa que buscou o aconselhamento.

De acordo com Lima , a Doença de Alzheimer foi descrita pelo médico alemão Alois Alzheimer em 1907, quando ele trabalhava em um laudo clínico de um paciente que apre-sentava sintomas de uma doença neurológica rara. O médico foi o primeiro a descrever os sintomas e os efeitos da doença. Os principais sintomas da doença são: a perda progressiva da memória e a incapacidade de exercer atividades diárias.

De acordo com Coelho , a Doença de Alzheimer é neurológica, lenta e degenerativa, ou seja, a doença vai levando o indivíduo a perder, paulatinamente, as habilidades domésticas diárias até a uma perda total dos movimentos e da fala.

A Doença de Alzheimer pode atingir a qualquer pessoa, sendo que é comum em indi-víduos com sessenta anos ou mais. Contudo, a doença pode acontecer a partir dos quarenta anos. De acordo com Caldeira e Ribeiro , a doença atinge cerca de 7% da população com sessenta e cinco anos. Essa porcentagem vai aumentando com o aumento da idade. Com oitenta e cinco anos a média de portadores da doença é de aproximadamente 25%, ou seja, um em cada quatro indivíduos com essa idade teria Alzheimer. A partir de noventa e cinco anos 50% das pessoas seriam portadoras da Doença de Alzheimer.

Para Dom Valfredo Tepe , é justamente na doença mental que reaparece a íntima co-nexão entre alma e corpo, mente e cérebro. Coelho afirma que a Doença de Alzheimer, e outras demências, ocorrem por causa de mudanças estruturais no cérebro que são visíveis somente por microscópios. Segundo ele, em autópsias realizadas em cérebros com Alzheimer são encontrados emaranhados de fibras e nervos degenerativos que comprometem áreas importantes para a memória e para as funções intelectuais. Além disso, a doença faz reduzir a produção de substâncias químicas essenciais para uma comunicação saudável e normal entre as células nervosas do cérebro.

Caldeira e Ribeiro afirmam que além da idade, outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento da Doença de Alzheimer:" História familiar de doença de Alzheimer, mal de Parkinson, ou Síndrome de Down; idade materna acima de 40 anos; sexo feminino; doença da tireóide; hipotireoidismo; baixa formação educacional; traumatismo craniano; depressão de início tardio; herança de certas formas alélicas de genotipagem (ou codificação de gene) para apoliproteína E."

Para Coelho , o paciente com a Doença de Alzheimer mostra inicialmente um quadro de perda de memória recente, ou seja, há a incapacidade de gravar fatos ou falas recentes, além da realização de atividades diárias, fazendo com que o indivíduo repita várias vezes uma tarefa já realizada. No início da doença isso ocorre de maneira sutil, fazendo com que a pessoa perceba o ocorrido. Do início do Alzheimer até o óbito, pode-se levar cerca de oito anos. Pelo fato de a doença ser lenta e degenerativa o doente passa, progressivamente, a precisar de maiores cuidados e supervisão, fazendo com que o mesmo tenha, voluntariamente ou não, uma perda, gradativa, porém, total, de sua autonomia.

Como a doença é progressiva, os cientistas a dividiram em diversos estágios que descrevem a situação degenerativa em que o doente se encontra. Coelho afirma que o primeiro estágio da doença, chamado de inicial, é marcado por queixas de dificuldade de atenção, esquecimento de coisas simples como senhas de bancos, números de telefone e coisas do gênero.

No próximo estágio, chamado de intermediário, a pessoa apresenta: dificuldade em lembrar nomes de pessoas; dificuldade de raciocínio; esquecimento de compromissos; dificuldade para manusear eletrodomésticos; esquecimento de atividades domésticas, fazendo com que a pessoas deixe o gás ligado, comida no fogo; e perda de dinheiro. Além disso, o portador de Alzheimer passa a ter dificuldade para executar suas tarefas básicas como preparar alimentos, vestir-se e cuidar da higiene pessoal.

Coelho afirma ainda que quando o doente atinge a última fase da doença, chamada de avançada, ele perde totalmente a capacidade de ser independente, há o desenvolvimento de comportamentos psicóticos e alterações de comportamento, fazendo com que o doente se desgaste e haja uma sobrecarga do cuidador ou cuidadora. Em cada estágio da Doença de Alzheimer, o indivíduo passa a ter uma perda gradativa de sua autonomia, tornando-se mais dependente do cuidador. De acordo com Coelho, a Doença de Alzheimer tem um impacto direto na família do doente, pelo fato de que eles passarem a ser o cuidador dessa pessoa. A família passa a ser totalmente responsável pelo indivíduo, logo responsável pelo bem estar da pessoa doente.

Quando há o diagnóstico da doença, a família fica geralmente atemorizada, pois não tem conhecimento sobre o assunto, logo, não sabe como agir. Essa é uma fase muito difícil para a família. Cuidar de um idoso com Alzheimer pode ser um das tarefas mais difíceis para uma família, por isso Lima afirma que: "É imprescindível o envolvimento e a participação dos familiares nos cuidados com o portador da Doença de Alzheimer, o que causa um desgaste físico, econômico e emocional nesses familiares gerando muitos transtornos ao equilíbrio e a dinâmica familiar."

Em relação à família cuidadora da pessoa com Doença de Alzheimer, Oliveira, Ribeiro, Borges e Luginger afirmam que: "Conviver com um portador de Doença de Alzheimer propicia um grande número de transtornos na família, devido ao grande aumento de stress como as doenças físicas, depressão, insônia, abuso de álcool, e medicamentos psicotrópicos, abuso físico e verbal do paciente. Por isso é de grande importância o cuidado com essas pessoas para que também elas não adoeçam física e emocionalmente."

Sendo assim esta parte trabalho mostrará citações do Manual para familiares/cuidadores de pacientes com a Doença de Alzheimer , com a finalidade de aprofundar o conhecimento de como um cuidador deve comportar-se no relacionamento com o doente. O manual faz sugestões de como o cuidador deve agir diante das seguintes situações: comportamento do doente, sexualidade, alterações do sono, perambulação, alucinações, banho e higiene pessoais, vestuário, incontinência, alimentação, ambiente e cuidados com atividades diárias.

Estado Emocional - Natureza do Conflito

De acordo com nossas percepções, a natureza do conflito de Maria Paula é a constatação da mudança de personalidade e atitudes da mãe, assim como, alterações em seu estado emocional e psicológico.

As “incoerentes” atitudes de sua mãe, em relação à educação familiar e cristã que ela sempre recebeu, mudanças de pensamento, respostas “inadequadas”, e a “rebeldia” de Lúcia, fazem com que Maria Paula se sinta profundamente desamparada, envergonhada, incomodada e confusa. Para Collins: “Quando temos saúde, geralmente não nos preocupamos com o corpo. (...) Porém, quando a doença é mais séria (...) somos forçados a reconhecer nossas limitações.”

Outro ponto de destaque é a necessidade que Maria Paula tem, atualmente, de decidir as coisas pela mãe. Isso a faz se sentir responsável, e esse fato lhe parece ser mais uma tarefa à qual lhe é cobrado resultados. Em razão de ter que tomar algumas decisões pela mãe, e ter que confrontá-la, em alguns momentos, Maria Paula sente-se culpada, pois, segundo ela, isso é um desrespeito.

Segundo Gary Collins: “Paulo critica fortemente a desobediência infantil e nesta pas-sagem (cf. Ef 6.1-3) ele está falando a filhos que já devem ter idade suficiente para entender e seguir ordens.” A afirmação do autor nos permite constatar que as emoções de Maria Paula perpassam suas concepções teológicas, ponto que abordaremos no próximo capítulo.

Dinâmicas pessoais e interpessoais

Notamos que Maria Paula começa a se afastar das programações cúlticas da igreja. Ela sempre “arranja” alguma coisa para fazer durante os momentos celebrativos e, em razão disso, ela, ultimamente, não está participando dos cultos, como freqüentemente fazia; apesar de continuar indo à igreja regularmente.

Cremos que essa atitude é motivada pela forte influência humanista que Maria Paula recebe, em especial, de suas amigas; que trabalham no mesmo projeto social que a aconse-lhanda. Ela encara a doença da mãe de forma muito pragmática e não expressa sua tristeza, em decorrência do que está acontecendo. O diagnóstico da doença de Lúcia foi há três anos, porém, no diálogo com Maria Paula, percebemos que somente agora ela está aceitando a realidade e buscando ajuda para compreender como pode conviver com essa nova realidade.

Sua postura nos relacionamentos interpessoais continua inalterada, como se nada esti-vesse acontecendo. Ela age, perante as pessoas, como se não estivesse sofrendo ou com ne-nhum tipo de problema.

Cremos que a atitude da aconselhanda se dá em razão dela freqüentar a mesma comu-nidade de fé por cerca de 25 anos, o que a torna uma pessoa muito conhecida e solicitada na comunidade. Possivelmente, a aconselhanda sinta vergonha e receio de expor sua situação para as pessoas que comungam com ela na igreja. Outro ponto a ser considerado, é o fato de que quando Maria Paula expôs a situação a algumas amigas, que nunca vivenciaram uma situação semelhante, elas lhe recriminaram, dizendo: “O que é isso!? Ela é sua mãe e você deve cuidar dela!É sua obrigação.”

Resumo do estado geral

A partir das Seis Dimensões da Integralidade, levantadas por Howard Clinebell em sua obra Aconselhamento Pastoral: modelo centrado em libertação e crescimento , podemos compreender que uma das crises que Maria Paula enfrenta está relacionada à Dimensão dos Relacionamentos Íntimos; uma vez que não é possível restaurar e aprofundar o relacionamento com sua mãe, como fazia outrora, quando Lúcia estava plenamente lúcida.

Sabemos que a crise: “estado de incerteza; fase crítica de uma situação” ; é, também, o momento de re-significação dos sentidos. Nesse caso, Maria Paula precisa re-significar seu relacionamento com Lúcia, compreendendo suas limitações, e buscando novas possibilidades de se relacionar com ela.

Maria Paula precisa avivar sua mente, que segundo Clinebell, é um exercício de de-senvolver seu sentir, pensar e experimentar, de forma plena e amorosa, sua relação consigo mesma. Ela também precisa redescobrir como enriquecer seu relacionamento com sua mãe, tornando-o mais íntimo e pleno, mas de forma diferente da experimentada até então.

A aconselhanda foi orientada pelos médicos que alguns exercícios mentais, como Pa-lavras Cruzadas, poderiam amenizar os efeitos da doença. Acreditando nisso, semanalmente ela compra revistas de palavras cruzadas para sua mãe fazer. Além disso, acompanha a evo-lução da doença através dos resultados dos exames e das reações que a mãe apresenta diante dos medicamentos. Maria Paula fica atenta às reportagens sobre a Doença de Alzheimer, e segue as recomendações que são dadas, na tentativa de mudar o quadro clínico de Lúcia. Esse comportamento é próprio de uma das fases do processo de aceitação da perda, denominado por Clinebell, como barganha ou tentativa de mudar a realidade.

Análise Teológica

Maria Paula relatou que parte da sua culpa reside na crença de que ao confrontar sua mãe, ela está contrariando o mandamento registrado em Êx 20.12: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” . Desde pequena, Maria Paula foi educada a obedecer aos seus pais e a não responder aos mais velhos; pois dessa maneira estaria honrando seus progenitores. A interpretação teológica do mandamento, dessa maneira, gera um conflito em Maria Paula, principalmente quando ela precisa ser incisiva com sua mãe, e/ou contrariá-la.

A situação de Lúcia demorou a ser aceita e percebida por Maria Paula. Os outros filhos de Lúcia, por não manterem um contato tão próximo com a mãe, aceitaram a doença com maior facilidade. Por vezes, Maria Paula pensou que sua mãe pedia que ela repetisse a mesma informação, várias vezes, por brincadeira ou para irritá-la. Em tese, a grande dificuldade de Maria Paula era aceitar que sua mãe estava envelhecendo. Perceber a velhice de sua mãe também significava observar a finitude da vida. O Salmo 103, versículos 15 e 16, nos transmitem essa mensagem acerca da finitude da existência humana: “Quanto ao homem, os seus dias são como a relva; como a flor do campo, assim ele floresce; pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar.”

Apesar de ter consciência de que a velhice chegará para todos, foi difícil aceitá-la, principalmente, por que Lúcia sempre foi uma pessoa ativa, independente, trabalhadora, líder na igreja (coordenadora de ministérios) etc.

De certa maneira, aos poucos, Maria Paula percebeu que está perdendo sua mãe. Con-forme as idéias de Clinebell, a negação da realidade é uma etapa em que a pessoa não con-segue acreditar no que está acontecendo; e inicialmente foi o que aconteceu com Maria Paula. Ao citar Martin Heidegger, Clinebell relata que: “o conhecimento que temos da própria morte é a música de fundo que toca fracamente à distância durante toda a nossa vida.”

Outra etapa vivenciada por ela foi o confronto com a realidade que gerou o sentimento de raiva. Nesse caso, a raiva ora estava direcionada a sua mãe, ora relacionada a si mesma; gerando um sentimento de culpa. Pelo relato de Maria Paula não identificamos raiva de Deus. Para Clinebell, esse fator é importante: “Em certos tipos de problemas, os aspectos religioso-existenciais são óbvios e prementes.”

Encaminhamentos

Apresentaremos, nesse capítulo, alguns encaminhamentos que consideramos pertinentes ao acaso.

Primeiramente, devemos confrontar Maria Paula sobre a necessidade que ela tem de assumir a responsabilidade sobre sua mãe, como algo inerente ao momento da vida, e que não é um desrespeito ou pecado. Segundo Clinebell: “Os sentimentos de culpa apropriada e baseada na realidade podem ser resolvidos através de um processo de cinco estágios: con-frontação, confissão, perdão, restituição e reconciliação.” Cremos que Maria Paula deva ser confrontada pela necessidade que há de que ela, como filha mais velha e mais próxima da mãe, assuma o controle da agenda e das tomadas de decisão de Lúcia.

Além disso, Maria Paula precisa se perdoar pelo “suposto” pecado de discutir com sua mãe. Pois, teologicamente, entendemos que os 10 mandamentos, ao citarem que os filhos e filhas devem honrar pai e mãe, trabalham uma dimensão relacionada ao cuidado para com os progenitores em sua velhice, e não uma observância inquestionável de suas ordens ou pedidos.

Uma abordagem que poderá ajudar Maria Paula é a de Frank, Crüsemann em seu es-tudo sobre os 10 mandamentos, no qual ele sugere os destinatários do Decálogo e as possíveis alterações de interpretação que o conjunto de orientações sofreu durante o passar do tempo.

Cremos que se Maria Paula conseguir organizar uma agenda mensal das atividades e compromissos da mãe, e compartilhar essa agenda com o cuidador ou cuidadora, assim como, com seu irmão que mora em São Paulo, ela ficará mais descansada e menos sobrecarregada. A dimensão da poimênica, da rede de apoio da família e da igreja tem sido desenvolvida. Contudo, acreditamos que pode ser aprimorada.
Por último, é importante mostrar a Maria Paula que a Doença da Alzheimer é muito mais comum do que se sabe, acomete muitas pessoas, e que há um grupo especializado para apoiar os familiares de pessoas com Alzheimer; que é a APAZ (Associação de parentes e amigos de pessoas com Alzheimer. Ainda sobre a rede de apoio que pode ajudar Maria Paula, nesse momento, cremos que o filme Como se fosse a primeira vez, pode mostrar-lhe que uma tarefa diária que, aparentemente, é enfadonha, pode ser alegre, divertida e gratificante, quando a base da relação é o amor, como nos afirma Collins: “Um alvo no aconselhamento é ajudar as pessoas a mostrarem mais amor.”